“A dor é do tamanho do amor que a gente sente, só não é capaz de sentir dor quem não é capaz de amar”

Mais um dia 27 de janeiro se encerra, e com a data também o sentimento de dor e impunidade, aceitar o fim de uma vida nunca foi fácil, agora imagine tentar compreender a morte de 242 vidas.

A morte de corpo e alma. O calar da companhia, das risadas, do abraço, até mesmo do simples “olá”, pelos corredores da universidade, ou no café da manhã sentado ao lado da família. A imagem que nunca mais será vista, o sorriso que foi calado pela dor.

Compreender que a dor é necessária mesmo após tanto tempo e que está dor é fundamental para viver o período pós Boate Kiss, pode ser mais difícil do que se imagina.

Para muitos, não existe recordação mais dolorida do que a madrugada de 27 de janeiro. O cheiro da fumaça e cinza, misturados com os gritos de desesperos e as sirenes das ambulâncias. Esse barulho nunca mais foi o mesmo para quem viveu aquela noite com um fim destinado a morte de 242 jovens.

E como viver toda essa dor, mesmo após sete anos?

A dor que ainda acompanha os pais, familiares e vítimas da Tragédia na Kiss, segundo a psicóloga Melissa Couto, especialista em psicologia das emergências e desastres e apoio psicossocial, “o que vivemos em Santa Maria é algo que vivemos no Brasil inteiro, ano após ano. Nós, seres humanos não acreditamos que este tipo de tragédia irá acontecer”. 

O que vivemos aqui permanecerá por muito tempo. Com um luto que não se encerra, em grande parte, pelas ações que poderiam já ter responsáveis pelo fato ou pela própria dor que consome. Não conseguimos significar a dor, que foi coletiva em todo o país, mas especialmente no coração de cada santa-mariense, cada familiar e cada sobrevivente.

Um dos maiores especialistas em luto no mundo, o psiquiatra inglês Colin Murray Parkes, parou na frente de uma escultura em mármore negro, a de que mais gostou em seu passeio pela Pinacoteca do Estado de São Paulo. “Está quebrada, mas inteira. A impressão é que quebrou, mas continua inteira, continua uma pessoa, uma vida, uma coisa. É reconhecer o valor das duas partes, mesmo quebradas”, disse Parkes, que é consultor do St. Christopher’s Hospice, em Londres, uma instituição para pacientes fora de possibilidades terapêuticas .

A psicóloga Melissa afirma que o que vivemos foi uma dor plena por uma perda de um amor incondicional, como destaca também uma fala de Parkes “A dor é do tamanho do amor que a gente sente, só não é capaz de sentir dor quem não é capaz de amar”.

O luto é um processo dual, ele não tem um início meio e fim, oscilando, vai e volta, por hora parece que são elaborados e muitas vezes eles retornam, mostrando que só existe uma forma de superar uma dor, eles são sentidos e elaborados. “A gente não supera uma perda. A gente elabora e significa. Precisamos sentir a dor e não negar. Viver a dor. Entender em que lugar ela fala. Pensar sobre ela, sentir de verdade e não abafar a dor com medicações negando a dor. Não sentir nos possibilita adoecer com o luto. Precisamos ainda encontrar um sentido para esse sofrimento que não tem nome”, explicou Melissa.

Existem graus de gravidade em uma tragédia que pode possibilitar em um adoecimento emocional. “Aqui vivemos todos eles, as múltiplas vítimas (quando muitas pessoas morrem juntos), vidas jovens ceifadas (todos eles tinham uma vida para construir) e uma ameaça causada pelo homem (o homem providencia ou uma negligencia providencia, não foi algo natural”.

Ao final a psicóloga destaca a importância de construção de solidariedade que as famílias e vítimas construíram ao longo dos 7 anos da tragédia. “ Eles não estão lutando pelos filhos deles, porque os filhos deles já se foram. Eles lutam para que os filhos dos outros não sofram a mesma dor que seus filhos viveram e morreram sentindo. Está é uma forma de agir, de resinificar o sofrimento. Quando estivermos dispostos a sermos compreensíveis ao que o outro sente, mais seremos com nós mesmos”.

Imagem pessoal /Facebook

Recebeu e coordenou a missão do Apoio Psicossocial e voluntariado na tragédia da Boate Kiss em Santa Maria-RS, até a chegada da Força Tarefa do Ministério da Saúde, após manteve-se no Grupo Gestor, e posteriormente assumiu a coordenação do Apoio Psicossocial da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), pela CVBSM e supervisionou o trabalho até final maio do mesmo ano. Após manteve-se como apoiadora da AVTSM pela CVBSM.

Texto: Karohelen Dias – Rádio Medianeira.

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