As primeiras testemunhas do julgamento da Boate Kiss começaram a serem ouvidas na tarde desta quarta-feira, no Foro Central, em Porto Alegre. Quem começou a responder as perguntas dos representantes do Ministério Público foi Katia Geane Pacheco Siqueira. Ela trabalhava na casa noturna na época que ocorreu a tragédia e foi uma das sobreviventes do incêndio que matou 242 pessoas e deixou mais de 600 feridos. Katia começou a sessão respondendo sobre seu regime de trabalho e o movimento da boate. "A política da casa era quanto mais gente melhor", contou. A sobrevivente contou que nunca teve treinamento para situação de incêndio e disse não saber se algum colega teve este tipo de treinamento.
Katia começou a trabalhar na Boate Kiss entre julho e agosto de 2012, mas não tinha carteira assinada. Segundo ela, o valor que recebia por noite trabalhada era de R$ 50. A depoente também confirmou que a casa trabalhava com a capacidade acima do recomendado. "Tinha dias com pouco movimento que tinham entre 300 e 400 pessoas. Mas em dias de movimento, quase não dava pra se mexer lá dentro", completou.
Ela chegava no estabelecimento por volta das 21h para organizar a colocação das bebidas e fazer os lanches. As festas geralmente iam até as 7h. "Ás 23h, nós tínhamos que estar com os uniformes e os clientes começavam a entrar", recordou. "Cheguei no horário normal no dia do incêndio, e encontrei dentro da boate uma amiga que estava na festa", recordou Kátia. No entanto, ela não conseguiu rever a amiga, que morreu na tragédia.
A noite da tragédia
De acordo com Kátia, na noite da tragédia, a boate estava com muita gente. Na parte dos fundos, segundo a testemunha, havia mais gente, pois ocorria uma festa de uma faculdade. No meio da madrugada, segundo Kátia, começou uma gritaria.Alguns diziam que era fogo, outros que seria uma briga. "Tentei sair, mas tinha muita gente, todo mundo se empurrando", contou. "Vi que o caminho estava errado e gritei que a saída era para o outro lado e fomos todos. Desmaiei já na porta", recordou Kátia.
Katia teve 40% do corpo queimado devido ao incêndio e fez cinco cirurgias de enxerto de pele. Diz que sessões de fisioterapia propiciaram não ficar com sequelas em relação ao movimento. Conforme ela, nenhum dos acusados do julgamento contribuiu para pagar os custos do hospital e do tratamento feito após receber alta.
"Eu tentei deletar o máximo possível", diz Katia sobre as lembranças da noite. Grávida, espera que os traumas sofridos não afetem o seu bebê. De acordo com Katia, ela se mudou de Santa Maria para esquecer as lembranças da tragédia. No máximo, ela passa pela cidade quando vai visitar a sua cidade natal, São Francisco de Assis. Atualmente, a sobrevivente mora em Porto Alegre.
"Não posso falar. Minha opinião. Me pediram para não falar", diz Katia ao ser questionada se gostaria de falar algo que não lhe foi perguntado no julgamento, mas anteriormente, ela tinha reafirmado a vontade de que os acusados sejam condenados.
Segundo do sócio da casa noturna Elissandro Spohr, a esposa do acusado disse em depoimento ter sido Spohr quem retirou Kátia da boate quando ela estava desmaiada. Kátia disse que não. O defensor de Kiko, Jader Marques, questionou se Kátia tinha noção de quantas pessoas estavam em um quadro mostrado pelo advogado. Ela projetou que seriam milhares. A promotora de Justiça, Lúcia helena Callegari, protestou contra a pergunta, mas o juiz manteve a questão. Até o final da tarde, Kátia estava sendo inquirida pelo advogado de defesa.
Além de Katia, ainda devem depor no julgamento nesta quarta-feira Kellen Ferreira e Emanuel Pastl, também sobreviventes do incêndio.
*Com informações do jornal Correio do Povo