O maior júri da história gaúcha começou com atraso e entraves burocráticos, algo compreensível em um julgamento com quatro acusados e quase mil vítimas, como o do caso Kiss. A manhã desta quarta-feira (1º), primeiro dia dos trabalhos, é integralmente dedicada a questões administrativas e, principalmente, à escolha dos sete jurados que definirão o destino dos réus. Seis homens e uma mulher foram selecionados.
E por que a escolha dos jurados é importante?
É que eles decidem o futuro dos acusados. A eles caberá definir se os quatro réus — dois sócios da boate e dois integrantes da banda que tocava na Kiss na hora do incêndio — tinham noção dos perigos que a danceteria oferecia aos frequentadores, algo que os acusados afirmam que não tinham. Ou se sabiam muito bem dos riscos da casa noturna e decidiram corrê-los, para baratear custos, como acusa o Ministério Público.
Os quatro acusados respondem pela morte de 242 pessoas na danceteria, em incêndio ocorrido em 27 de janeiro de 2013. A acusação é de que os donos da boate assumiram o risco de incêndio, ao usar espuma não recomendada e mais barata. Já o vocalista e o produtor da banda também teriam noção do perigo, ao usar artefatos de iluminação de baixo valor, mas que poderiam provocar chamas.
A diferença entre as duas concepções do que ocorreu, culpa ou dolo, pode representar pena baixa ou então uma grande temporada na cadeia para os réus. É aí que começa a importância dos jurados — ao contrário dos juízes concursados, eles são pinçados na comunidade, escolhidos entre pessoas com conduta exemplar.
Ao final do júri, eles se reunirão para concluir se os réus cometeram ou não os crimes dos quais são acusados. Cabe ao juiz, num júri popular, apenas escrever a sentença — dosar a pena, conforme o previsto na lei.
Cada um dos advogados e também o Ministério Público têm direito de recusar três jurados, sem dizer o motivo. É por isso que o juiz chamou 150 pessoas como jurados. Desses, 65 compareceram e sete foram pinçados para o julgamento, após as impugnações.
O advogado pode não dizer porque recusou um jurado, mas motivos existem. A lista de jurados está disponível, e os defensores dos réus (assim como os promotores de Justiça) estudam os nomes. Olham as redes sociais deles. Alguns já são até conhecidos de outros júris.
Natural que o defensor opte por escolher jurado de um perfil que costuma se comover com o destino do réu. Já o Ministério Público costuma optar pelo jurado mais duro, com uma postura de vida mais rígida, explica um dos advogados envolvidos no júri da Kiss.
— A escolha dos jurados é um dos passos decisivos para a sorte dos réus, por isso acontecem tantas impugnações — resume o advogado Bruno Seligmann de Menezes, um dos defensores do acusado Mauro Hoffmann.
A promotora Lucia Callegari, que atua na acusação deste júri, concorda:
— Muito da sentença vem do modo como o jurado pensa e vê a vida.
O número de jurados também é ímpar para que não haja empate na hora do veredito, aquele celebrizado nos tribunais: culpado ou inocente. A previsão é de que isso ocorra em 15 dias, caso o julgamento prossiga até o final, sem anulações, como chegou a cogitar um dos advogados dos réus.
*Com informações e foto destaque de GZH